26/05/2018 até 5/08/2018
BICICLETA - EDUARDO NASCIMENTO
O que
têm em comum H. G. Wells, Leon Tolstói, Arthur Conan Doyle, Tennessee Williams,
Andy Warhol e Albert Einstein? Para além da produção intelectual, artística ou
científica relevante, une-os o encanto manifesto, em tempos e contextos
diversos, pela bicicleta, esse veículo de duas rodas também chamado
afetivamente de magrela, bici, bike, camelo, entre tantas denominações que a
imaginação de seus aficionados tem inventado ao longo desses pouco mais de cem
anos de existência.
Povoando
os textos de poetas diversos, como Toquinho, Vinícius de Moraes, Julio Cortázar ou Herberto Helder, a bicicleta se relaciona a um imaginário que remete à
liberdade, ao equilíbrio e à aventura. Reminiscências de infância e de bons
momentos vividos trazem, com frequência, imagens de trajetos pedalados ao
vento. Mais recentemente, conceitos politicamente corretos, como mobilidade e
ecologia, têm contribuído para que esse veículo, para além de sua dimensão
utilitária, tenha se popularizado e constituído como símbolo de um estilo de vida
que une saúde, prazer e responsabilidade social. Sobre uma bicicleta, as
cidades parecem assumir dimensão mais humana. Com seu ritmo, a paisagem se move
numa velocidade menos estonteante.
A
mostra “Bicicleta”, de Eduardo Nascimento, evidencia um interesse também
partilhado pelo mundo da arte, a exemplo de Picasso, Duchamp, Andy Warhol e
mais recentemente o francês Alain Delorme, o chinês Ai Weiwei e a polonesa
Olek, entre tantos outros, que voltaram sua atenção para esse objeto, seja pela
sua materialidade, pelas relações que evoca ou por seus aspectos simbólicos ou
conceituais. Nesse sentido, o tema escolhido para marcar os 40 anos da carreira
desse artista merecedor de respeito e admiração não poderia ser mais feliz.
Décadas
percorridas, milhares de “clicks” realizados, alguns temas recorrentes. Entre
carnavais, festivais de inverno, cenas bucólicas da cidade natal ou registros
de andanças pelo mundo, as magrelas têm tido sua vez. Ao revisitar seus
arquivos, o artista as (re)descobriu: elas sempre estiveram lá, infiltradas no
meio de outros temas e interesses, despontando aqui e ali.
São
muitas as bicicletas flagradas por Eduardo Nascimento. Vermelhas, rosas,
amarelas, novas, enferrujadas, “de verdade”, “de brinquedo” ou “de enfeite”,
elas têm se instalado confortavelmente e com frequência no campo de visão do
artista. As imagens com que ele nos brinda dão pistas de um olhar focado cujos
detalhes nunca passam despercebidos. Como elemento constante, sobressai-se o
refinamento estético que conduz a resultados em que enquadramentos precisos são
indissociáveis de uma paleta cromática original e saborosa.
Muitos
dos momentos captados pelas lentes sensíveis de Eduardo, Edu ou simplesmente
Bó, como seus conterrâneos e amigos o chamam, tiveram lugar em Antonina, onde
bicicletas não costumam fazer uso de correntes ou cadeados. Integradas ao
ambiente, circulam livremente e podem ser encontradas tranquilamente
estacionadas nas entradas das casas, nas portas das vendas, das farmácias ou
escolas, à espera de seus parceiros de viagem.
Outros
momentos, outros lugares, e mais imagens foram sendo adicionadas a essa coleção
instigante e única, da qual vemos aqui apenas um pequeno fragmento. A partir
das centenas de bicicletas observadas em 2008 no Lago de Como, Itália, citadas
pelo artista como gatilho motivador da presente proposta, bicicletas e seus
usuários têm sido eternizados em lugares por vezes tão perto, como a Ilha do
Mel ou a Lapa, e por vezes mais distantes, como São Luiz e Barreirinha, no
Maranhão, Gramado, no Rio Grande do Sul ou Manaus, no Amazonas.
Punta
del Este, Santiago, Lima, Cusco, Havana, Lisboa, Milão, Roma, Florença, Paris e
tantas outras cidades espalhadas pelo mundo também interessaram o olhar de
Eduardo Nascimento com suas bicicletas amarradas em postes, encostadas nas
árvores, equilibradas nos meios fios. Paradas ou em movimento, elas pontuam a
solidão dos espaços urbanos e o ambiente conturbado de superfícies grafitadas,
estando também inseridas nos parques, nas ruas, na beira dos mares e rios. O acaso
uniu suas presenças momentâneas com a do fotógrafo em trânsito e as trouxe até
nós.
Eduardo
Nascimento nos emprestou seus olhos. Por meio deles, tornou possível que
passeássemos por um mundo de bicicletas, levando-nos a imaginar, sonhar e
refletir sobre a jornada da vida. Inevitável, cheia de percalços e surpresas,
ela pode ter seu peso amenizado e tornar-se mais prazerosa se pudermos contar
com ingredientes como a arte e umas boas pedaladas.
Curitiba,
outubro de 2016.